Uma revisita à literatura de modelos de fatores e como eles podem ser úteis para comparar fundos de investimento.
Por Time Quant
Modelos de fatores são bastante difundidos entre os gestores do mercado financeiro e podem ser utilizados para diferentes fins: estratégias de investimentos, análise de risco, cálculo de alfa… Uma aplicação interessante desses modelos é o que chamamos de “análise de estilo”: a partir de um conjunto de fatores relevantes, identificamos o estilo de investimento de uma carteira.
A teoria moderna de portfólio nasceu na metade do século passado com o trabalho de Harry Markowitz. A ideia de Markowitz era revolucionária, formalizava o efeito da diversificação de investimentos (o único almoço grátis em investimentos) e criava uma metodologia para maximizar o retorno esperado de um portfólio para um dado nível de risco. É uma belíssima teoria, mas como toda teoria depende de que suas hipóteses sejam satisfeitas, em particular, que seja possível estimar o retorno esperado e o risco. A teoria de Markowitz criou uma agenda de pesquisa em finanças que viria a ser dominante até os dias atuais: como calcular o retorno esperado, isto é, como precificar um ativo?
O CAPM (Capital Asset Pricing Model), criado em 1960 por pesquisadores independentes, foi o primeiro e mais importante modelo formal de equilíbrio para precificar ativos. A ideia do CAPM também foi revolucionária: o retorno esperado de um ativo vem de sua exposição ao fator de risco de mercado (risco sistemático).
Segundo o CAPM, o excesso de retorno esperado (isto é, o retorno acima da taxa de juros livre de risco) é igual à sensibilidade do ativo ao fator de risco de mercado (o famoso beta) multiplicada pelo excesso de retorno esperado do mercado (equity risk premium). Já o beta vem da correlação entre o retorno do ativo e o retorno do mercado multiplicada pela razão entre a volatilidade do retorno ativo (risco específico do ativo) e a volatilidade do retorno do mercado (risco sistemático do mercado). Formalmente:
onde ri é o retorno do ativo i, rf é o retorno do ativo de livre de risco, rm é o retorno do mercado, ρi,m é a correlação entre retorno do ativo i e o retorno do mercado, σi é o desvio padrão do retorno do ativo i e σm é o desvio padrão do retorno de mercado.
Apesar de sua beleza teórica, o CAPM viria a ser colocado à prova: testar, refinar e estender o modelo dominaram a pesquisa em finanças, tanto teórica como empírica, nas décadas seguintes. Do lado teórico, o CCAPM (Consumption CAPM) – modelo de equilíbrio dinâmico muito poderoso e flexível, referência tanto em finanças como em macroeconomia – é hoje o principal modelo de precificação de ativos. Já do lado empírico, testar e refinar o CAPM empiricamente foi uma agenda de pesquisa em si.
O fato é que a elegância do CAPM foi rejeitada pelos dados em várias pesquisas independentes. Porém, nem tudo estava perdido. A ideia central do CAPM era válida, mas era preciso um modelo empírico mais rico para explicar o retorno dos ativos. Nesse contexto, o trabalho seminal do incansável Eugene Fama nos brindou com os modelos empíricos multifatoriais de risco e ainda lhe rendeu o prêmio Nobel em Economia.
MODELOS MULTIFATORIAIS DE RISCO
Modelos de fatores de risco são comumente usados para explicar os retornos de um ativo (ou portfólio) em termos de fatores de risco comuns. Podemos usá-los tanto para estimar a sensibilidade de um ativo (ou portfólio) aos fatores, como para estimar a habilidade de gestão de um fundo de investimento, por exemplo. Nesse caso, é entendido que um gestor demonstra habilidade quando entrega, recorrentemente, um alfa positivo e estatisticamente significante.
Vimos que o beta do CAPM é a sensibilidade do ativo ao fator de risco de mercado. Sendo assim, o CAPM é um modelo de fatores de risco em que o único fator é o risco de mercado. Em sua versão empírica, dada pela expressão abaixo, usamos uma proxy do risco de mercado, que pode ser um índice de ações bem amplo ou até mesmo o IBrX ou S&P 500.
Na equação acima, αi é o intercepto da reta de regressão. Mas o que é o alfa? Alfa é a medida da nossa ignorância, é o quanto do excesso de retorno do ativo não é explicado pelo modelo (nesse caso, o CAPM). Logo, o alfa mede o erro de precificação (ou mispricing) que, por sua vez, depende do modelo empírico! Diferentes modelos levam a diferentes alfas.
A motivação do Fama foi pesquisar modelos empíricos para precificar o “cross-section” das ações americanas, ou seja, aqueles modelos com alfa zero. O CAPM foi rejeitado pelos dados justamente por produzir um alfa diferente de zero, isso significa que o CAPM original não precifica bem as ações em conjunto. A solução foi trabalhar com modelos multifatoriais que poderiam precificar melhor.
Nos anos 90, Fama e French propuseram o (hoje famoso) modelo de 3 fatores de risco. Os autores mostraram empiricamente que, além do fator de mercado, eram necessários o fator de tamanho e o fator de valor para precificar as ações americanas em conjunto. Já vamos explicar melhor o que são fatores de risco, mas por enquanto imagine que é necessário que investidores de ações sejam compensados não só pelo custo de oportunidade de investir em ações, mas também pelo custo de oportunidade de investir em small caps e empresas “baratas”.
O modelo de 3 fatores foi um sucesso, não só o modelo em si e suas extensões, mas principalmente sua metodologia. Fama e French deram o tom da pesquisa acadêmica nas décadas seguintes e tiveram um papel crucial na indústria de fundos de ações quantitativos. Hoje, nós temos um zoológico de fatores – desde o modelo de 5 fatores de Fama e French até os modelos mais exóticos propostos por pesquisadores independentes. Mas, como o diabo está sempre nos detalhes, a grande maioria dos fatores propostos não passam por testes estatísticos mais rigorosos, como foi mostrado por Campbell Harvey e coautores em 2016.
Suponha que x1, x2,…, xk sejam k fatores de risco relevantes, nós podemos escrever um modelo multifatorial genérico da seguinte forma:
Assim como os modelos multifatoriais podem ser utilizados para precificar ações e portfólios, também é possível usá-los para explicar os retornos de fundos de investimento, como é feito nos artigos de Jensen e Carhart, por exemplo. Jensen mostrou, ainda nos anos 60, que os retornos dos fundos de investimento americanos durante as décadas anteriores eram bem explicados pelo CAPM, rejeitando a hipótese de que os fundos geravam alfa estatisticamente positivo. Carhart chegou a resultados similares nos anos 90 usando um modelo multifatorial com risco de mercado, risco de tamanho, risco de valor e risco de momentum.
Sendo assim, alfa positivo é um fato raro quando usamos modelos ricos o suficiente para capturar todos os riscos relevantes. Na prática, alfa é um conceito muito difundido, mas pouco entendido. Adicionalmente, no contexto de gestão de fundos, o alfa de hoje pode ser tanto um beta de amanhã, como um beta de hoje não acessível, ou ainda, um beta de hoje capturado com tecnologia proprietária.
Um fundo com beta 0 (zero) em mercado, mas beta 1 (um) em valor poderia mostrar um alfa de CAPM enorme, mas um alfa 0 (zero) de um modelo multifatorial que inclui o fator de risco valor. Até o fator valor ter sido bem entendido, seria consenso que tal fundo gerava alfa positivo (alfa de hoje é o beta de amanhã).
Mesmo quando o fator valor já tinha sido entendido, mas não podia ser acessado pelo investidor, o fundo poderia argumentar que gerava alfa (alfa de hoje é um beta de hoje não acessível). Finalmente, se o fator valor fosse bem entendido e acessível, ainda assim o fundo poderia gerar alfa só com exposição a tal fator com o uso de tecnologia proprietária (alfa de hoje é um beta de hoje capturado com tecnologia proprietária). Ou seja, a magnitude do alfa depende diretamente dos fatores de risco escolhidos e de quanto os retornos esperados do portfólio são gerados por esses fatores.
Todo ativo tem seu retorno explicado pela exposição ao risco. Fator de risco é a força por trás do prêmio de risco. Entender os fatores de risco é crucial não só para avaliar quais riscos devem ser tomados, mas principalmente para saber quais riscos devem ser evitados. Investidores diferentes podem ter preferências por compensação a risco diferentes. Por exemplo, um investidor que tem risco de perder a renda durante uma recessão deveria preferir uma maior exposição ao fator que tenha retorno esperado positivo em recessão (ex: momentum) do que ao fator que tenha retorno esperado negativo na recessão (ex: mercado).
O fator de mercado é a força por trás do equity risk premium, ou seja, é a compensação pelo risco de investir em bolsa ao invés de aplicar no título de renda-fixa livre de risco. Outra característica do fator de mercado é que ele é investível através de suas proxies. Já o fator valor é a compensação pelo risco de investir em empresas com valuation barato vis-à-vis aquelas com valuation caro. O fator valor também é investível e pode ser construído através de portfólios long/short sistemáticos, os chamados factor-mimicking portfolios.
Fatores também podem ser macroeconômicos – alguns ativos têm retornos distintos em períodos de alta ou baixa inflação, por exemplo. Adicionalmente, o retorno de um ativo pode ser explicado por uma combinação de fatores, cada um explicando a compensação por um determinado risco. Como um fundo de investimento nada mais é do que um portfólio de ativos (potencialmente de diversas classes), é possível explicar o retorno de um fundo através de combinações de fatores.
Em teoria, um modelo de fatores pode incluir quaisquer fatores de risco considerados relevantes para explicar os retornos do portfólio de interesse. Todavia, modelos com fatores de risco irrelevantes podem produzir alfas de grandes magnitudes sem que isso signifique uma capacidade de gestão superior. Uma vez escolhido os fatores de risco de interesse, nós podemos usar a metodologia dos modelos de fatores para comparar o estilo de investimento de um determinado conjunto de fundos e assim obter uma visão mais completa de qual tipo de risco cada um deles adiciona à carteira do investidor.
Modelos multifatoriais de risco são ferramentas muito úteis em diferentes áreas do mercado financeiro e por um bom tempo foram o principal tema de pesquisa em finanças. A análise de estilo é uma aplicação simples desses modelos que pode ser usada pelo investidor para alocar seus recursos de maneira mais eficiente entre fundos de investimento.
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