Você já tentou definir “volatilidade”? O conceito de volatilidade é tão difundido entre os agentes do mercado financeiro que sua definição parece óbvia: volatilidade é volatilidade. Neste artigo, vou te apresentar algumas reflexões teóricas sobre o assunto e mostrar que volatilidade é mais do que se diz.
Por Hully Rolemberg
Por definição, volatilidade é uma medida estatística de dispersão dos retornos de um ativo. Ao contrário do preço que é observável e determinado pelo equilíbrio entre oferta e demanda, a volatilidade precisa ser estimada (sim, foi isso mesmo que você leu). A “vol” avaliada por investidores, gestores e especuladores é, na verdade, uma medida de variância condicional e essa, por sua vez, é uma variável não observável.
A volatilidade pode ser de dois tipos: implícita ou histórica. A volatilidade implícita é obtida a partir de modelos de precificação de opções e representa a percepção do mercado em relação à volatilidade futura. Já a volatilidade histórica utiliza dados passados dos preços e pode ser estimada de maneira paramétrica ou não paramétrica. Vamos nos concentrar na volatilidade histórica.
O histórico de retornos de um ativo pode ser caracterizado como um processo estocástico com características estatísticas desejáveis. A cada instante de tempo nós observamos uma realização desse processo, o retorno realizado. Os retornos passados podem ser utilizados para obter uma medida pontual (e, portanto, constante no tempo) de variabilidade. Ocorre que nós estamos interessados em saber a volatilidade em todos os instantes do tempo, da mesma forma que observamos os preços. Como proceder?
No geral, nós usamos 2 parâmetros para caracterizar a distribuição de um processo: a média e a variância. Esses dois parâmetros podem ser avaliados de forma não condicional ao conjunto de informação ou condicional ao conjunto de informação. Parâmetros não condicionais são constantes no tempo e computados utilizando toda a informação disponível. Os parâmetros condicionais, por outro lado, dependem do período amostral escolhido e, por isso, variam no tempo. Se condicionarmos um parâmetro a todo o conjunto de informação disponível, então o parâmetro condicional será igual ao parâmetro não condicional.
O intuito deste artigo não é te entediar com fórmulas matemáticas, tampouco te apresentar uma explicação leviana sobre o assunto, então vou dedicar um espaço para alguns conceitos mais técnicos. Suponha que rt seja o retorno de um determinado ativo num instante de tempo t. Podemos definir rt como a soma de dois componentes:
em que ϵt é um ruído branco gaussiano1, ou seja, um processo imprevisível pelo seu passado e cuja distribuição segue uma Normal padrão. A média e a variância não condicionais de rt podem ser definidas como
Nesse caso, nós utilizamos toda informação disponível e obtemos parâmetros independentes do tempo. Por outro lado, se calcularmos a esperança e a variância condicionais ao conjunto de informação It temos
Observe que ao computarmos a variância condicional, obtemos uma medida de variabilidade dos retornos que muda a cada instante do tempo, pois depende diretamente do conjunto de informação It que estamos considerando. Finalmente, a volatilidade que tanto nos interessa é definida como a raiz quadrada da variância condicional:
A variância condicional é um parâmetro populacional e que precisa, portanto, ser estimado a partir das observações de uma amostra. O estimador mais simples da volatilidade é o desvio padrão móvel. Nesse caso, as estimativas mudam conforme a janela de dados é “rolada” ao longo do tempo de forma a incluir apenas o conjunto de informação mais recente, usualmente os últimos 21 dias. O desvio padrão móvel é um estimador do tipo não paramétrico, isto é, não assume que os dados seguem uma distribuição de probabilidade particular. Porém, existem outras formas de estimar a volatilidade.
Dentre os estimadores não paramétricos, podemos citar também o EWMA2 (Exponential Weighted Moving Average) e o RV (Realized Volatility). O EWMA funciona de maneira semelhante ao desvio padrão móvel, mas ao invés de dar pesos iguais para todas as observações na janela, esse estimador atribui pesos maiores aos retornos mais recentes, seguindo um parâmetro λ de decaimento. O RV, por sua vez, calcula a volatilidade diária a partir da soma dos retornos quadráticos intradiários.
Os estimadores de janela móvel impõem um cutoff arbitrário para o tamanho da janela e, em particular, o EWMA depende ainda da escolha de um λ adequado. Já o RV por utilizar retornos intradiários está sujeito aos ruídos presentes em dados em alta frequência. Uma alternativa a esses problemas são os estimadores (paramétricos) produzidos pelos modelos da família GARCH.
Os modelos do tipo GARCH exploram a dependência temporal dos retornos quadráticos e assumem uma estrutura autorregressiva na estimação da variância condicional, ou seja, supõem que a volatilidade hoje depende da volatilidade passada. Essa abordagem se baseia em alguns fatos estilizados conhecidos, como agrupamentos de volatilidade e efeito alavancagem. Modelos que exploram a estrutura de dependência da volatilidade tendem a produzir boas previsões, mas sua implementação não é trivial.
Até aqui eu tentei te mostrar que volatilidade é uma variável não observável e que deve, portanto, ser estimada a partir de modelos de precificação de opções ou usando dados históricos em abordagens paramétricas ou não paramétricas. Mas porque nós deveríamos nos preocupar em escolher o melhor estimador de volatilidade?
A melhor forma de entender as diferenças entre os estimadores de volatilidade é na prática. Estimadores com propriedades estatísticas superiores produzem estimativas mais precisas da variância condicional e, consequentemente, inputs mais eficientes para sistemas de gestão risco e alocação, por exemplo.
Considere os retornos do S&P 500 spot. O Gráfico 1 mostra os diferentes estimadores de volatilidade (não anualizados) ao longo do ano de 2019, em que RV é computado a partir de retornos intradiários, GARCH é a previsão do modelo GARCH(1,1), EWMA(21) é a volatilidade EWMA de 21 dias e STD(21) é o desvio padrão de 21 dias.
Se comparados ao RV, os estimadores de janela móvel têm variabilidade menor e tendem a responder mais lentamente às variações dos retornos. Observe o que acontece no mês de agosto: há um pico generalizado de volatilidade, logo em seguida o RV volta ao nível anterior ao choque enquanto os estimadores de janela móvel continuam no patamar do choque. Isso ocorre porque o choque do começo do mês contamina a estimativa de volatilidade durante todo o período da janela.
O EWMA, por atribuir pesos maiores à informação mais recente, retorna mais rapidamente aos níveis anteriores, se comparado ao desvio padrão móvel que acaba introduzindo uma inércia artificial na volatilidade. O GARCH, tem um comportamento distinto: não é tão errático quanto o RV, mas responde mais rapidamente às oscilações do que os estimadores de janela móvel.
Cada estimador tem propriedades mais e menos atraentes dependendo do tipo de uso que fazemos deles. Suponha agora que nosso portfólio consiste em uma posição comprada em S&P 500 spot e que nós usemos as estimativas de volatilidade para “escalar” os retornos. Isso significa que quando a volatilidade aumenta nós diminuímos a posição e quando a volatidade diminui nós aumentamos a posição, de acordo com a magnitude da variação da volatilidade. O Gráfico 2 mostra os retornos acumulados (não anualizados) desse portfólio.
Observe que o estimador RV é o que gera o maior retorno acumulado e o desvio padrão de 21 dias é o que gera o menor retorno acumulado. Nessa análise, nós consideramos que a posição é atualizada diariamente e que não há custo de transação ou qualquer outra restrição. Por conta disso, estimadores que respondem mais rapidamente às oscilações nos retornos acabam performando melhor.
Todavia, essa performance superior, vem acompanhada de uma volatilidade mais alta. O Gráfico 3 mostra o desvio padrão de 21 dias (não anualizado) do portfólio escalado pelos diferentes estimadores de volatilidade. Como podemos observar, a volatilidade do portfólio escalado pelo RV é, no geral, mais alta que as demais. Isso ocorre porque o RV é obtido a partir dos retornos quadráticos intradiários e tende a variar mais de um dia para o outro.
Vale lembrar que esses resultados são decorrentes do ativo escolhido, da amostra selecionada e dos meus objetivos didáticos, e não representam necessariamente uma recomendação de metodologia melhor ou pior. O intuito deste artigo é apenas te mostrar, de maneira simplificada, que volatilidade é mais do que a “qualidade do que é volátil”. Volatilidade é uma variável não observada, cujo comportamento presente é fortemente influenciado pelo comportamento passado e que pode ser estimada de diferentes formas, dependendo do uso que se faz dela. Boas previsões da volatilidade contribuem para uma gestão de risco mais eficiente e, consequentemente, retornos mais consistentes.
Notas:
1: Essa não é uma hipótese necessária, mas sim facilitadora.
2: A rigor, o EWMA é um estimador do tipo paramétrico, pois depende da estimação do parâmetro λ, mas no geral adotamos a convenção de λ=0.94, introduzida pela metodologia do Riskmetrics. Formalmente, a formulação do EWMA corresponde a um processo IGARCH degenerado.