Por Hully Rolemberg
Nada como as festas de fim ano para inspirar uma nova temporada de artigos por aqui. 2022 foi mais um ano com acontecimentos que impactaram os mercados ao redor do mundo todo. Desde as falas de Jerome Powel até as eleições no Brasil, passando pela aquisição do Twitter pelo bilionário Elon Musk e o colapso da bolsa de cryptocurrency FTX… Um ano para não esquecer. Todos esses eventos marcaram os mercados financeiros globais e certamente deixaram rastros nas carteiras de muitos investidores, especialmente aqueles que não fizeram um uso eficiente da diversificação em suas carteiras. Dito isso, a palavra do ano (escolhida por mim) só pode ser uma: correlação.
O que é correlação?
A definição de cor·re·la·ção pode ser simples: relação entre duas coisas. O prefixo “co” é um elemento de companhia, simultaneidade, ao passo que “relação” representa vínculo, ligação. Na matemática, correlação tem uma definição um pouco mais sofisticada introduzida por Karl Pearson no final do século XIX: grau de dependência linear entre duas variáveis. Foi a partir da definição formal do coeficiente de correlação que Pearson iniciou o que seria a revolução estatística no estudo da matemática.
Karl Pearson foi o primeiro a reconhecer o valor dos modelos estatísticos como alternativa à visão determinística que prevalecia na ciência do século XIX. Todavia, a ideia por trás do conceito de correlação surgiu um pouco antes, dentro da biologia. Francis Galton, mais conhecido pelo “descobrimento” das digitais, observou na população da época um fenômeno de regressão à média da altura dos indivíduos de geração para geração: filhos de pais muito altos tendem a ser mais baixos que seus pais e filhos de pais muito baixos tendem a ser mais altos que seus pais. Por isso, a média de altura da população era razoavelmente estável longo do tempo.
O gráfico abaixo mostra a altura média dos pais no eixo vertical e a altura média dos filhos no eixo horizontal. Os dados são os mesmos analisados por Galton na época em que ele identificou o efeito de regressão à média. A reta destacada representa a relação linear entre os pontos[1] e sua inclinação é exatamente o coeficiente de correlação (!!!).
O fato é que o fenômeno de regressão à média se aplica a muitas outras observações científicas além da altura dos indivíduos. É ele que garante estabilidade evolutiva, mantendo as espécies razoavelmente “iguais” de geração para geração, por exemplo. Galton descobriu a métrica matemática para medir essa relação e denominou essa definição de “coeficiente de correlação”. Era uma fórmula bastante específica para descrever um único aspecto da regressão à média, mas que não dizia nada sobre a causa do fenômeno.
A palavra eventualmente virou parte do vocabulário popular e passou a ser usada de forma coloquial para descrever a relação entre duas coisas. Galton chegou muito perto de revolucionar toda a ciência da época, mas foi seu discípulo Karl Person que formalizou a ideia de maneira mais completa e deu início a revolução estatística (que é assunto para um outro texto). A definição da correlação de Pearson pode ser descrita pela fórmula abaixo:
Onde i é um indexador e pertence ao conjunto de números naturais, xi é o valor da variável x para um elemento i da amostra, x-barra é a média amostral de x, yi é o valor da variável y para um elemento i da amostra, e y-barra é a média amostral de y.
De maneira simplificada, o coeficiente de correlação é dado pela covariância dividida pelo produto dos desvios-padrão e, por definição, seus valores estão restritos ao intervalo fechado entre -1 e 1. Quanto mais próximo dos extremos for o valor da correlação, mais correlacionadas são as séries x e y. Quando o coeficiente é próximo de zero, dizemos que as variáveis são pouco correlacionadas.
Por que correlação é importante na hora de construir uma carteira de ativos?
Apesar de eu nunca querer te entediar com fórmulas matemática, não podemos fugir do fato de que a utilidade da correlação em finanças é completamente baseada na matemática. Pense em uma carteira P composta por dois ativos, A e B. A variância dessa carteira é dada por:
Observe a covariância pode ser definida em termos de correlação e variância (e de fato essa parece ter sido a ordem cronológica das coisas):
É fácil ver que (1) se a correlação é -1, a variância da carteira é mínima; (2) se a correlação é 1, a variância da carteira é máxima; e (3) se a correlação é zero, a variância da carteira é igual a soma das variâncias ponderada pelos pesos quadráticos. Em outras palavras, o risco da carteira diminui quando adicionamos ativos com correlação negativa, esse é um dos princípios básicos da diversificação em finanças.
Ativos com correlação próxima de 1 estão expostos a riscos similares: se um subir o outro provavelmente também vai subir. Ao adicionar ativos com correlação elevada na carteira, estamos aumentando a exposição a esses fatores de risco semelhantes e tornando o portfólio mais vulnerável. Por outro lado, ativos com correlação próxima de -1 funcionam como proteção natural: quando um cai o outro sobe. Se conseguirmos fazer uma alocação inteligente dos ativos, podemos nos beneficiar da diminuição do risco e, na média, ganhar mais do que perder. Ativos com correlação próxima de zero são neutros, isto é, nem adicionam e nem diminuem o risco da carteira.
Por que correlação é importante na indústria de fundos?
Do ponto de vista do investidor, fundos nada mais são do que ativos e, portanto, uma carteira de fundos também deve seguir os princípios da diversificação e evitar posições com exposição a fatores de risco semelhantes, isto é, correlação próxima de 1. Consequentemente, a correlação entre os fundos acaba sendo muito importante também para os gestores: assumindo que os investidores preferem diversificar, os fundos vão preferir não ser positivamente correlacionados com seus pares. Diferenciação é chave nessa indústria.
Fundos com correlação próxima de 1 estão expostos aos mesmos fatores de risco, ou seja, exploram oportunidades de lucro semelhantes. Pense nos fundos “macro”: a maioria deles se baseia nas mesmas variáveis macroeconômicas – inflação, PIB e desemprego. Por isso, qualquer grande movimento em uma dessas três variáveis afetará esse grupo de fundos de forma bem parecida. O gráfico abaixo mostra a performance dos principais fundos “macro” no primeiro trimestre de 2022. No geral, o padrão observado é bem parecido.
O mesmo efeito acontece em fundos da ações long only, por exemplo. Nesse caso, o fator de risco é obviamente a bolsa e, por isso, a performance desses fundos acaba sendo semelhante à performance do índice. O gráfico abaixo mostra a correlação de dois fundos com alguns índices de mercado. O fundo I é claramente mais correlacionado com os benchmarks do que o fundo II, em particular Ibovespa. O fundo II, por sua vez, tem correlação praticamente zero com o Ibovespa.
De fato, se nós compararmos a performance desses fundos ao longo do tempo com a performance do Ibovespa, o Fundo I foi mais impactado por grandes movimentos de mercado do que o Fundo II. O gráfico abaixo mostra a performance acumulada (não normalizada pela volatilidade) dos fundos versus a performance do índice desde 2016. O choque do COVID-19 no começo de 2020 exemplifica bem o efeito das correlações nesse caso.
Correlação ou não correlação, eis a questão…
2022 foi um ano de altas correlações entre os mercados, as bolsas, os ativos… Nunca foi tão importante se diferenciar, diversificar. Na vida e nos mercados! Afinal, ninguém quer ser mais do mesmo, certo?
Feliz Ano Novo!
[1] chamamos de essa reta de reta de regressão
[2] AGG: Bloomberg US Agg Total Return Value Unhedged USD Index