Um artigo sobre porque o mercado deve ser visto como eficiente.
Por Hully Rolemberg
Uma das coisas que mais fascina o ser humano é o futuro. Amanhã vai chover? Inflação vai subir? Cripto vai cair? Todos os dias nós acreditamos em algum tipo de previsão para tomar algum tipo de decisão. Essas previsões são produzidas por modelos: climáticos, estatísticos e (potencialmente) astrológicos. Mas, modelos são aproximações da realidade, e não verdades absolutas, e por isso estão sujeitos a erros. A pergunta relevante, nesse caso, é: para quais fins esses modelos são boas aproximações?
Eu enquanto econometrista, acredito na teoria de que tudo o que observamos ao nosso redor são realizações de distribuições de probabilidades desconhecidas: se hoje o preço de uma ação fechou em R$5,90 é porque existe um processo gerador dos dados de preço, com probabilidades atribuídas a cada evento, e hoje a realização desse processo foi o preço R$5,90.
Como os processos geradores são desconhecidos, já que a cada instante observamos apenas uma realização deles, nós fazemos aproximações (modelos) sobre qual seria o processo verdadeiro e assumimos algumas hipóteses sobre o erro dessa aproximação. Essas hipóteses definem as condições sob as quais tal modelo é válido.
Todo modelo começa com um conjunto de hipóteses e toda hipótese deve ser testável. Em estatística, as hipóteses são, no geral, sobre os erros – independentes, identicamente distribuídos, média zero, não-autocorrelacionados etc. Em finanças, fazemos hipóteses também sobre o comportamento dos indivíduos e do mercado – preferências bens comportadas, informação completa, competição e racionalidade dos agentes, por exemplo.
A hipótese de racionalidade é um dos pressupostos básicos da teoria neoclássica de finanças e pode ser explicada da seguinte forma: cada agente possui um conjunto de opções e é capaz de ordená-las utilizando uma relação de preferência, isto é, se existir um número finito de opções, o agente racional consegue dizer qual é a sua primeira opção, segunda opção e assim por diante.
Caso o número de opções seja infinito, o agente racional é capaz de comparar qualquer par de opções de forma que as comparações entre os pares sejam consistentes. E o que ocorre se o agente não escolhe entre duas opções disponíveis? Nesse caso, havia uma terceira opção: nada a escolher.
Racionalidade dos agentes é uma hipótese essencial para vários modelos econômicos. Isso porque indivíduos irracionais são imprevisíveis e difíceis de serem encaixados em aproximações da realidade. Observe que essa não é uma hipótese completamente incompatível com a realidade: mesmo que eu tome minhas decisões em função do alinhamento dos astros no dia do meu nascimento – Capricórnio com ascendente em Leão e lua em Virgem – ainda assim elas podem ser consistentes com as minhas preferências e, portanto, eu continuo sendo um indivíduo racional.
O framework neoclássico é o alicerce de boa parte da literatura de finanças desenvolvida até hoje e fundamental para diversas aplicações no mercado financeiro. Um dos conceitos mais importantes da teoria neoclássica é a Hipótese de Eficiência do Mercado (Efficient Market Hypothesis, EMH), introduzida por Eugene F. Fama, em 1970. Chamamos de hipótese, mas a EMH nada mais é do que um modelo. Um mercado é definido como “informacionalmente eficiente” se a cada momento os preços incorporam toda a informação disponível.
Eficiência de mercado é uma consequência natural de algumas condições de mercado como competição, livre entrada e baixos custos informacionais. Pense no seguinte: se existir um sinal, não incorporado nos preços de mercado, de que o dólar vai subir, então os agentes vão comprar esse sinal e, ao fazerem isso, vão levar o preço para cima até que ele reflita a informação contida no sinal.
Em estatística, a palavra eficiência é usada para qualificar estimadores com baixa variância. Em economia, usa-se o conceito de eficiência no sentido de Pareto para descrever situações de equilíbrio. Gramaticalmente, eficiência é sinônimo de efetividade e eficácia. Essa variedade de usos da palavra eficiência acaba gerando uma confusão (desnecessária) sobre o tema. A Hipótese de Eficiência de Mercado se refere a uma eficiência informacional, isso significa que um mercado pode ser economicamente ineficiente, com crises e bolhas, e ainda assim ser eficiente sob a definição de Fama, basta que esses eventos sejam imprevisíveis.
Em um mercado eficiente, toda vez que uma nova informação se torna pública, ela é imediatamente refletida nos preços. Isso quer dizer que os investidores não conseguem gerar retornos consistentemente superiores aos de um portfólio de ações aleatoriamente selecionadas. Mesmo que existam anomalias ocasionais nos preços, elas perdem o seu “poder preditivo” quando são descobertas e acabam não persistindo no longo prazo.
Ao contrário do que se pensa, o sucesso da Hipótese de Eficiência do Mercado não tem a ver com a sua complexidade. Na verdade, o principal feito de Eugene Fama foi juntar diferentes fatos e racionalizá-los em um único modelo que, apesar de simples, produz resultados bastante surpreendentes. Por exemplo, em um mercado eficiente, uma notícia sobre a política monetária americana não tem nenhum poder (além de pura sorte) de prever a taxa de câmbio futura. Isso não é um teorema, axioma ou astrologia, mas sim um fato empírico.
Analogamente, em um mercado perfeitamente eficiente, analistas de ações não deveriam se sair melhor em selecionar um portfólio do que um investidor comum escolhendo ações aleatoriamente com base no horóscopo do dia. Ou seja, se os mercados são informacionalmente eficientes, stock-picking feito por agentes profissionais não deveria ter nenhuma vantagem sobre uma seleção qualquer feita por investidores amadores.
De fato, essa proposição não é facilmente testável porque, no geral, nós só coletamos dados dos vencedores: melhores gestores de fundos de investimentos, melhores analistas de ações, melhores consultorias financeiras. Seria necessário coletar também dados sobre perdedores e então separar o que é de fato habilidade do que é simplesmente sorte.
Pense no seguinte: se os mercados não fossem eficientes, nós todos estaríamos pagando taxas altíssimas para gestores ativos investirem nosso dinheiro com a promessa de retornos mais altos às custas dos gastos de outra pessoa. Mas, também é verdade que os mercados não são completamente eficientes.
A Hipótese de Eficiência do Mercado é um ideal, uma aproximação. Afinal, os indivíduos não são completamente racionais, a competição não é exatamente perfeita, a entrada não é verdadeiramente livre e a informação não é totalmente sem custo. Essas ineficiências podem ser exploradas gestores profissionais e transformadas em portfólios de fato mais rentáveis.
Ainda assim, é razoável assumir que existe um grau elevado de competição entre os agentes do mercado e que, portanto, o preço de uma ação deve reagir quase que instantaneamente a uma nova informação. Alguns investidores mais sortudos vão negociar o ativo enquanto o preço ainda não incorporou completamente a informação, mas a maioria dos investidores já vai encontrar um preço totalmente ajustado. A anedota dos dois economistas ilustra bem esse fato: imagine dois economistas caminhando na rua. Eles veem uma nota de R$100 na calçada. Um deles se agacha para pegar a nota e o outro diz “não se dê o trabalho, se essa nota fosse verdadeira, alguém já teria pegado”.
Por outro lado, nem toda informação relevante para a determinação de um preço é pública. Um analista que gasta o seu tempo (e esforço) juntando dados sobre uma determinada empresa possui um conjunto de informação que não é público para o investidor comum que não dedicou seu tempo para fazer isso, por exemplo. Além disso, mesmo que essa informação seja completamente pública, ela não necessariamente é de fácil interpretação (pense em balanços patrimoniais e DREs).
Quando um grupo pequeno de investidores detém uma informação privada (obtida legalmente através de pesquisa e esforço), ele pode lucrar negociando em cima disso. Nesse caso, a eficiência de mercado não vale no seu sentido estrito. Mas, conforme esses investidores informados começam a comprar e vender os ativos, os preços passam a refletir a nova informação até que a vantagem de a possuir desapareça.
Em um fundo quantitativo, por exemplo, uma das tarefas dos algoritmos é exatamente coletar informação pública (como preços, volumes, balanços e dados econômicos), processá-la usando modelos proprietários privados (formulados por gestores e analistas), e transformá-la em uma informação privada. Ou seja, a partir de inputs públicos, mas não necessariamente coletados/processados sem custo, os quants obtêm uma informação privada e operam em cima disso.
Mesmo em mercados perfeitamente eficientes, em que os preços refletem toda a informação disponível (posição dos astros inclusive), os gestores profissionais têm um papel crucial na construção do portfólio: diversificar a carteira. Isso porque, mesmo que todas as ações sejam precificadas corretamente, cada uma delas ainda carrega um risco específico da empresa que pode ser eliminado via diversificação. Gestores profissionais, se encarregam de montar portfólios diversificados com o nível de risco sistemático que o investidor deseja.
Os fundos quant, em particular, são capazes de processar uma quantidade muito maior de dados e operar uma quantidade muito maior de ativos, se comparados aos fundos tradicionais. Assim, mesmo que a informação privada obtida seja marginalmente informacional, pela lei dos grandes números, os quants conseguem gerar mais valor sobre os inputs em mercados aproximadamente eficientes do que gestores de fundos discricionários, por exemplo.
Nos últimos 50 anos, a Hipótese de Eficiência do Mercado tem sido o princípio básico da literatura de finanças empíricas. Difícil de acreditar? Olhe para os fatos, colete os dados, teste a teoria. Você verá que os mercados estão mais próximos da definição de eficiência do que você imagina (e do que os astros podem prever). No final das contas, o melhor que você como investidor pode fazer é assumir que os mercados são eficientes.