Um texto sobre por que derivativos existem.
Por Hully Rolemberg
Um tempo atrás, durante um jantar, eu recebi a seguinte pergunta: “o que são derivativos?”. Fácil. Derivativos são contratos cujo valor está atrelado à performance de um outro ativo, isto é, deriva de outro ativo. A resposta convenceu, mas veio seguida de uma pergunta um pouco mais complexa “por que derivativos existem?”. Derivativos são ativos que podem ser negociados em bolsa ou não para fins de proteção ou especulação, por exemplo. A explicação fez sentido, mas ainda havia uma pergunta final: “não seria mais fácil simplesmente negociar os ativos ao invés de ativos derivados dos ativos?”. Eu queria responder essa pergunta de forma que todas as pessoas interessadas no assunto entendessem, então resolvi escrever esse texto.
Derivativos nada mais são do que contratos de compra e venda sobre um determinado ativo (denominado ativo-objeto), com preços, quantidades e vencimentos pré-estabelecidos. Existem registros de uso de derivativos (inicialmente não com esse nome) desde muito antes da consolidação do mercado financeiro como conhecemos hoje. Os primeiros derivativos eram bem mais simples e tinham uma única função clara: proteção. Eram contratos semelhantes aos contratos futuros que conhecemos hoje, firmados entre agricultores e consumidores a partir da necessidade de se proteger das variações de preços das commodities entre as safras.
Pense na situação de um produtor de arroz que precisa vender o seu produto, e assuma que o ciclo de plantio do arroz dure em média 120 dias. O produtor enxerga o preço de mercado do arroz no início do ciclo e decide a quantidade a ser plantada. O mercado de arroz é perfeitamente competitivo e esse produtor é tomador de preços. Assuma que a função oferta desse produtor seja dada por q(p) = 2p e que a quantidade demandada seja zero fora do preço de equilíbrio. Se o preço de equilíbrio da saca de arroz é $100 em t=0 (início do ciclo), a quantidade ótima a ser produzida nesse caso é de 200 sacas de arroz, obtendo uma receita de $20.000.
Imagine agora que durante esse ciclo de arroz ocorra um choque de demanda que faz com que o novo preço de equilíbrio seja $90 em t=120 (fim do ciclo). A esse novo preço, a quantidade ótima a ser ofertada é, na verdade, 180 sacas de arroz, o que resultaria em uma receita de $16.200. De forma simplificada, e assumindo custo de produção zero, podemos dizer que o produtor teve um “prejuízo” de $3.800, pois vai vender 180 sacas a $90 e as 20 sacas restantes vão para o lixo. Mas, e se esse produtor pudesse definir o preço para essa safra de arroz no início do plantio, isto é, em t=0?
Suponha então que esse mesmo produtor venda contratos futuros de arroz por $95 a saca com a garantia de entrega da mercadoria em t=120. Os consumidores não sabem ao certo qual será o peço de mercado da saca de arroz no final do ciclo, mas, se acreditam que será maior que $95, eles desejarão comprar o contrato futuro que garante o preço de $95. O produtor, por sua vez, garante que conseguirá vender a saca de arroz a $95 no final da safra não importam as condições de mercado em t=120 e produz a quantidade ótima a esse preço, 190 sacas. O produtor está, portanto, protegido.
Os mercados evoluíram e hoje existem diferentes tipos de derivativos, muitos deles padronizados e negociados em bolsa, que podem ser usados para proteção, especulação e até mesmo arbitragem. Observe que como os derivativos são derivados de outros ativos, a posse de um derivativo não significa a posse do ativo em si, mas sim uma obrigação de compra ou venda – swaps, futuros e contratos a termo – ou direitos de compra e venda – opções – em uma data futura pré-estabelecida.
Existe uma série de páginas na internet descrevendo os diferentes tipos de derivativos, mas segue abaixo um resumo que será útil para as explicações que virão em seguida.
Contratos a Termo
Contratos a termo são provavelmente os derivativos mais simples: quem compra um contrato a termo se compromete a comprar uma determinada quantidade do ativo a um preço pré-estabelecido e com data futura de liquidação definida (quem vende um contrato assume o compromisso contrário). Se uma das partes desiste da negociação antes do prazo, ela ainda assim permanece vinculada ao contrato até a sua efetivação e consequente liquidação.
A liquidação desses contratos pode ser física (entrega do ativo – saca de arroz, por exemplo) ou financeira (pagamento do valor acordado) e as negociações a termo acontecem tanto no mercado de balcão organizado quanto na bolsa de valores. Na bolsa de valores, os contratos a termo mais comuns são os de ações.
Contratos Futuros
O mercado futuro é como uma evolução do mercado a termo, a principal diferença entre eles é que no mercado a termo o preço negociado é fixo, ao passo que a cotação no mercado futuro vai se ajustando ao longo do tempo até a liquidação do ativo. Além disso, contratos futuros são sempre padronizados e negociados em bolsa.
O comprador (ou vendedor) de um contrato futuro assume a obrigação de comprar (ou vender) o ativo objeto quando o contrato expirar ao preço pré-estabelecido, não importando o preço de mercado do ativo nada de vencimento do contrato. No mercado futuro, os investidores podem comprar e vender contratos antes do prazo (transferindo a obrigação), o que torna esse tipo de derivativo mais líquido que os contratos a termo, e concretizar lucros e perdas diários, já que os contratos futuros são ajustados diariamente.
Swaps
Resumidamente, swaps são contratos entre duas contrapartes que definem um fluxo de caixa entre estas, baseadas em uma regra acordada. Os swaps mais comuns negociam a troca de rentabilidade entre dois ativos baseados em um valor de referência, uma troca de riscos. Suponha um contrato de swap de Ibovespa contra a taxa DI: se na data do vencimento o DI tiver uma variação superior a do Ibovespa, o investidor que está comprado em DI no swap receberá a o fluxo de caixa referente à diferença de rentabilidade.
Os swaps mais populares no mercado financeiro são os que envolvem índices, taxas de juros e moedas. O Banco Central brasileiro costuma fazer operações de swap cambial para controlar o câmbio (real versus dólar). Nesse caso, a contraparte dos contratos são as instituições financeiras e empresas que têm dívidas e dólar e desejam se proteger das variações do real. Se o Bacen deseja equilibrar o mercado de câmbio diante de uma desvalorização do real, ele vai se comprometer a pagar a variação cambial do período do contrato enquanto as outras partes pagam uma taxa de juros, ou seja, a autoridade monetária compra o swap, ficando ativo em taxa de juros e passivo em câmbio.
Opções
Opções são contratos entre duas partes que dão aos seus detentores o direito de comprar o ativo-objeto a um dado preço (preço de exercício) e dentro de um certo período de tempo. O mercado de opções é fundamentalmente diferente dos mercados descritos anteriormente, pois nele a negociação é sobre o direito, e não a obrigação, de comprar ou vender um ativo a um determinado preço em uma data futura.
Existem dois tipos de opções: de compra (call) e de venda (put). Tipicamente, os contratos de opções são bastante curtos, com expiração em 30, 60, ou 90 dias. Um investidor que acredita que uma determinada ação vai se valorizar nos próximos dias pode comprar uma opção de compra dessa ação. Nesse caso, se a valorização se concretizar, ele pode exercer o direito de compra ao preço pré-estabelecido e revender no mercado à vista ao preço de mercado, lucrado a diferença entre o preço de exercício e o preço de mercado.
Se a valorização não acontecer, o investidor pode simplesmente não exercer seu direito e perder apenas o preço pago pelo contrato, chamado prêmio, definido a partir da relação entre seu valor intrínseco (que leva em conta taxa juros, prazo e vencimento) e seu valor extrínseco (influenciado pelo risco do ativo-objeto). O prêmio de uma opção é geralmente maior quanto mais distante for o vencimento e/ou quanto maior for a volatilidade implícita do contrato.
Por que derivativos são negociados?
Uma vantagem óbvia mercado de derivativos é a proteção de produtores durantes as safras/ciclos de commodity. Entretanto, atualmente a maior parte dos contratos derivativos negociados não envolve liquidação física, isto é, não envolvem a entrega do ativo objeto fisicamente (um barril de petróleo no porto, por exemplo). O que ocorre é a liquidação financeira dos contratos e apenas a troca de fluxos de caixa. Nesse contexto, quais as vantagens de negociar derivativos?
Primeiro, derivativos permitem desenhos de payoffs mais sofisticados. Usando opções, por exemplo, é possível construir uma estratégia com perda limitada e ganho ilimitado a partir da variação do preço do ativo-objeto. Pense em um investidor não tem certeza sobre a direção do movimento de uma ação, mas ele tem certeza que haverá uma variação em função de um evento político, por exemplo. Esse investidor pode comprar uma opção de compra e uma opção de venda da ação ao mesmo tempo, com o mesmo preço de exercício e mesma data de vencimento. Assim, se o preço subir (cair) após o evento ele exerce a opção de compra (venda) e deixa a opção de venda (compra) expirar. Por outro lado, se o preço ficar parado o investidor pode simplesmente deixar as duas opções expirarem.
Como as opções são apenas direitos de compra ou venda sobre ação, quando o investidor não exerce as opções a perda dele é limitada no valor do prêmio do contrato, enquanto o ganho é ilimitado e depende apenas da diferença entre o preço de exercício e o preço de mercado da ação na data de exercício. Chamamos esse tipo de estratégia de straddle. Se esse mesmo investidor não investisse em derivativos, mas ainda assim quisesse apostar na variação de preço da ação no mercado à vista, ele teria que fazer uma série de operações complexas, arriscadas e potencialmente mais caras para replicar o payoff de “ganho ilimitado e perda limitada” da estratégia de straddle.
Segundo, derivativos podem ser usados para hedgear posições, ou seja, reduzir o risco de um determinado investimento. Contratos futuros são comumente usados para hedge. Suponha um investidor brasileiro que tenha um portfólio (em reais) com exposição cambial a dólar, isto é, cujo valor varia não só em função das posições da carteira, mas também em função da variação no câmbio dólar/real. Se há uma apreciação cambial do real frente ao dólar, é como se o portfólio tivesse sofrido uma desvalorização, uma vez que o portfólio é cotado em reais.
Esse investidor poderia se proteger da variação cambial vendendo uma quantidade de contratos futuros de dólar equivalente à exposição da sua carteira. Como futuros são contratos padronizados, negociados em bolsa e cotados diariamente, ao vender futuros de dólar o investidor garante que a qualquer momento ele consegue liquidar a posição em dólar e obter apenas a performance das posições, sem influência do câmbio. Em outras palavras, a posição vendida em dólar sofre uma valorização com apreciação do câmbio que contrabalanceia exatamente a desvalorização do portfólio, de forma que no momento da liquidação (do portfólio em dólar para real e dos contratos futuros de dólar) o fluxo de caixa resultante não depende da cotação do câmbio.
Terceiro, é possível explorar oportunidades de arbitragem entre os mercados derivativos e os mercados à vista. Oportunidades de arbitragem podem ser definidas como situações em que é possível lucrar a partir de diferenças/distorções no preço de um ativo em diferentes mercados. Suponha um ativo negociado a $10 no mercado à vista, ao passo que o contrato futuro sobre esse ativo, com vencimento em um mês, é negociado é negociado a $12. Assuma que não exista nenhum custo associado a armazenamento e financiamento do ativo-objeto, por exemplo.
Nesse caso, uma estratégia de arbitragem seria comprar o ativo a $10 e simultaneamente vender (a descoberto) o futuro a $12. Se o investidor mantivesse a posição até a expiração do contrato futuro, ele poderia entregar o ativo comprado a $10 e obter um lucro (quase sem risco) de $2. Chamamos esse tipo de estratégia de “cash-and-carry arbitrage” porque a ideia é carregar (carry) o ativo para entregar na data do vencimento do futuro.
Por fim, uma grande vantagem do mercado de derivativos é a possibilidade de operar alavancado. Isso significa que o investidor consegue uma exposição financeira maior do que o patrimônio líquido investido. Em outras palavras, é possível investir uma quantidade de dinheiro maior do que a que se tem em conta. Mas isso não vem sem risco. Ao mesmo tempo que operar alavancado pode representar um aumento de patrimônio, o prejuízo pode ser catastrófico se as expectativas não se concretizarem. Em função disso, investidores de derivativos precisam manter um volume de dinheiro em margem que reflita sua exposição ao risco dos contratos e possa ser usado para cobrir eventuais perdas.
Derivativos surgiram da necessidade dos detentores de ativos se protegerem, evoluíram para diferentes tipos de contratos formalizados e passaram a ser usados em estratégias de investimento sofisticadas. Hoje, o mercado de derivativos é também um termômetro de incertezas, já que esses ativos podem ser usados para proteção e oferecem oportunidades lucrativas mesmo em períodos de forte instabilidade, o que torna esse mercado bastante sensível às expectativas dos investidores sobre o futuro. Divertido, não? É por tudo isso que derivativos existem.
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